A mulher sem vida


Essa cultura católica foi determinante e eficaz ao implantar a culpa no meu modo de viver. Em todas as sessões, em todos os episódios, a culpa está lá, me rondando, me dizendo que estou errando em alguma coisa. A cultura diz que eu tenho que ser submissa, correta, séria.  Tenho que ser trabalhadora, acordar cedo, não perder tempo com frivolidades. Eu tenho que ser uma boa mãe, esposa, dona de casa. A cultura diz que eu não posso ter prazeres. Porém, a cultura esqueceu de que o meu corpo se cansa, a  minha mente mais ainda. Não sou uma máquina feita pára trabalhar incessantemente, com o único objetivo de sustentar os outros e a mim mesma, eu não sou gado para viver apenas de capim e água.

Na verdade, vivo em uma prisão sem muros, como aquele monstro do Caverna do Dragão. Sou obrigada a ficar oito horas, todos os dias, num lugar fazendo algo que considero chato e mesquinho; não posso sair para tomar um sol. Preciso correr para a casa, cuidar das compras, das contas, da comida, das crianças; preciso tentar terminar a minha graduação. Preciso dormir, mas não durmo. Eu sou um zumbi, uma múmia, meio viva, meio morta, a ponto de cometer alguma loucura quando os ovos eclodirem e o vulcão rebentar-se. Eu sou um furúnculo.

E no meu rebentar, os mais fracos saem feridos, e isso se torna uma outra prisão feita de mais culpas. Por quê viver nesse correr incessante por algumas migalhas no final do dia? Por que correr da vida, por que valorizar o ruim, o massante? Isso é viver? Isso é que o Deus, padastro quer de nós? Que sejamos mortos ambulantes?

Se não faço, culpo-me, se não realizo, culpo-me, se sou feliz, mesmo que por alguns instantes, culpo-me. Só queria romper todas essas camadas e fugir pelo mundo, livre, pela primeira vez, sem me preocupar se a comida será servida, ou melhor, se terei de servi-la. Só queria dormir quando quisesse, acordar e ficar quieta, devanear, ficar comigo mesma, me conhecer, me gostar. Queria sentir que vivo. Que vivo...

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